quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Prefácio do livro "O Olhar Sob o SIgno"


A poesia clássica de Anselmo Picardi







Por Fernando Jorge





Ao que tudo indica, o soneto apareceu na Itália, tendo sido
muito cultivado pelos poetas sicilianos, que lhe modificaram o
ritmo e a forma. Depois ele se aperfeiçoou na França, graças aos
membros da Plêiade, mas os poetas românticos e parnasianos não o desprezaram, principalmente os segundos. Esquisitos, de beleza extraordinária, são os de Gerard de Nerval(1808-1855); cinzelados de modo magnífi co, como nas peças de ourivesaria de Benvenuto Cellini, os de Joséphin Soulary(1815-1891), nascido em Lion, porém de origem italiana, o último dos românticos e o primeiro dos parnasianos; Théodore de Banville (1825 – 1891), compôs sonetos nos quais a emoção predomina, como em "Tristessa La Lune" e Lá Mart des Amants"; repletos de nuanças, de subtilezas, de sentimentos delicados, assim são os Paul Verlaine(1844 – 1896); e vivos, coloridos, repletos de musicalidade, são os de Albert de Glatigny(1839 – 1879).

Todos esses sonetistas sempre me fascinaram. Volta e meia eu os recito em voz alta e faço a mesma coisa com os sonetos dos portugueses Camões, Bocage, Eugênio de Castro, Antero de Quental e Florbela Espanca. E quanto aos brasileiros, adoro os sonetos de Luis Delfino, Castro Alves, B. Lopes, Olavo Bilac, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Vicente de Carvalho, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos, Raul De Leoni, Salomão Jorge, Artur Azevedo e Luiz Guimarães Júnior.

Menotti Del Pichia participou ativamente da Semana de Arte Moderna de 1922, mas não se envergonhou de defender o soneto num eloqüente soneto que ele compôs. E disse nessa composição, que o mesmo o amava e o erguia no ar, como uma taça. Assegurou:
na "gaiola dos seus quatorze versos", canta o gênio lírico da nossa raça...

Também amo muito o soneto, não apenas por ser filho de Salomão Jorge, o grande poeta dos "Arabescos" e de "Porta do Céu", autor de sonetos antológicos, como "Beduina" e "O relógio". Amo tanto que escrevi o livro "Vida e poesia de Olavo Bilac", considerado pelo Jornal do Brasil "um clássico das biografias literárias brasileiras".

Para mim , portanto, foi um prazer mergulhar na leitura do livro "O olhar sob o signo", do poeta Anselmo Picardi. Nesta obra ele prova que é um exímio sonetista, pois ele sabe aliar a forma
ao conteúdo. A técnica de Anselmo nunca elimina a alma, a pura emoção encerrada em seus quartetos e tercetos:

"Ressoar nas graciosas plagas desses mares,
Acariciando seus ouvidos, seus luares...
O belo canto a celebrar-te em noite sombria,
Enquanto o oboé minhas dores encobria".

A linguagem de Anselmo Picardi é clássica, tão clássica como a do poeta Cláudio Manoel da Costa, o Glauceste Saturnio da Arcádia Ultramarina, autor destes versos:

"Nize? Nize? Onde estás? Aonde espera
Achar-te uma alma que por ti suspira,
Se, quando a vista se dilata e gira,
Tanto mais de encontrar-te desespera!

Ah! Se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nize, cuido que diz, mas é mentira;

Nize, cuidei que ouvia, e tal não era."

Do soneto "Borboleta anunciada" de Anselmo Picardi, extraí este quarteto, que comprova a minha afirmativa:

"Ao entrar em seu bosque encantado
Deixei atrás desilusões e tristezas,
Adentrando por sonhos e por certezas
De no mundo do Amado ter entrado."

Anselmo Picardi, além de ser um poeta de talento, é um excelente fotógrafo. Nas suas fotos há também a límpida poesia que ele insere nos seus versos, como se vê nas fotos "A igreja e os
pobres" e "Nasce uma bailarina no barraco". E encerro este meu comentário com o último terceto do soneto "Maravilhas da vida – Mariana", em cuja simplicidade eu senti a presença da mais autêntica e pura poesia:

Pelo convívio de minha gente,
Nessa pressa que o tempo reclama,
Contenta-me vislumbrar-te contente."

Ler ou declamar em voz alta os sonetos de "O olhar sob o signo" é sentir a forte expressividade da língua portuguesa, exaltada por Bilac nestes versos:

"Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: ‘Meu filho!’
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!"

Fernando Jorge – escritor e jornalista, membro do Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, desde 2004.
É autor dos livros "O Aleijadinho", "Vida e poesia de Olavo Bilac", "Vida, obra e época de Paulo
Setúbal - Um homem de alma ardente", "Getúlio Vargas e seu tempo", "As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont", "Lutero e a igreja do pecado", "Cale a boca, jornalista! ",etc, etc, etc.
Fernando Jorge foi diretor da Divisão Técnica de Biblioteca da Assembléia Legislativa de São
Paulo e ganhou o "Prêmio Jabuti", conferido pela Câmara Brasileira do Livro, devido sua obra "O
Aleijadinho", que já se acha na sétima edição, lançada pela Editora Martins Fontes
.

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